Se os seus filhos costumam sujar-se quando brincam, não os repreenda. Significa que estão a fazer o que é suposto, explorando o ambiente que os rodeia. E como resultado, são muito mais felizes.
Quase sempre, o rosto da criança que chega a casa com a roupa suja e os joelhos arranhados depois de brincar traz um sorriso. Já reparou? A explicação é simples: brincar ao ar livre é das melhores coisas que há. E é também, segundo diversos estudos, um promotor da felicidade.
Para perceber melhor esta ligação falámos com Helena Águeda Marujo, professora no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas e uma das principais investigadoras em Portugal na área da Psicologia Positiva. Nas suas palavras, “a importância da brincadeira ao ar livre para o desenvolvimento de crianças felizes é extrema, até mesmo vital”.
Brincar é fundamental para a saúde física, cognitiva, afetiva e relacional das crianças, sendo que estes benefícios tendem a fazer-se sentir ao longo da vida. Segundo a docente, as mais-valias da brincadeira “têm sido documentadas por inúmeras investigações científicas ao longo de décadas”, de tal maneira que “parece estranho estarmos a caminhar para sociedades que limitam o brincar ao mínimo”. Contrariando a tendência que se vive atualmente, reforça que “a escola é apenas uma parcela da vida, e cada vez com menos peso se não for entendida de forma holística, global, integradora, formadora do caráter e das virtudes, ensinando até a felicidade”.
Sujidade é descontração
Brincar ao ar livre tem quase sempre como consequência roupas e mãos encardidas. Mas quando se diz que uma criança suja é uma criança feliz, não se está a usar apenas uma forma de expressão. Trata-se de algo concreto em termos biológicos.
De acordo com a professora, que é igualmente presidente da Associação Portuguesa de Estudos e Intervenção em psicologia positiva, a brincadeira no exterior, nomeadamente em contacto com a natureza, tem implicações ao nível de neurotransmissores como a serotonina. “As emoções positivas que advêm de brincar nestas condições estimulam até o sistema imunitário, em vez de o enfraquecer como muitos pensam”, afirma, explicando que “a serotonina está associada a este brincar no exterior, sujar e desorganizar a arrumação da vida certinha e limpinha”.
Para a especialista, “o prazer que uma criança tem ao enfiar os pés nas poças, sujar-se na terra, moldar bolos de areia ou a fazer carreiros de água alimenta um lado do desenvolvimento que não se pode perder”.
Paralelamente, algumas investigações vieram reforçar a convicção de que brincar na natureza tem efeitos benéficos ao nível da serotonina. Uma dessas pesquisas foi levada a cabo na Universidade de Bristol, no Reino Unido, tendo concluído que uma bactéria presente na terra (a Mycobacterium vaccae) ajuda a ativar aquela substância, contribuindo para a regulação do humor, sono e apetite.
Felicidade a brincar
O que não falta são motivos que atestam a importância da brincadeira no desenvolvimento de criança felizes. De acordo com a também coordenadora da Plataforma para a Felicidade Pública, da Universidade de Lisboa, “a felicidade está fortemente associada a tempo passado com amigos, atividade física e tempo lúdico e de lazer”. Entre as várias razões, destaca os benefícios do sol, que estimula a produção de vitamina D, essencial ao desenvolvimento dos ossos e dentes, mas que também ajuda na melhoria do humor e consequente diminuição da depressão.
10 Aspetos que melhoram em crianças que brincam
1 – Socialização e criatividade. Estar sentado e inativo é um problema sério na atualidade. Segundo Helena Águeda Marujo, “estamos a potenciar uma geração não sociável, inativa e até não imaginativa”. Mas a brincadeira em espaços abertos e na natureza “traz recursos imprevistos e estimula formas de brincadeira desestruturada, essencial para desenvolver a imaginação e a criatividade”.
2 – Desenvolvimento de competências físicas. Coordenação, musculação, estiramento e equilíbrio são alguns dos aspetos essenciais para a saúde motora que acabam por ser desenvolvidos com a brincadeira. “Crianças que brincam menos ao ar livre têm mais propensão para ter problemas de excesso de peso”, acrescenta.
3 – Menos problemas de comportamento. Resultados de estudos recentes evidenciam o “impacto interessante de atividades na natureza na melhoria do comportamento de crianças ditas hiperativas e desconcentradas”.
4 – Maior autoconhecimento. “A exploração e os comportamentos com algum risco controlado, como subir pedras, saltar pequenos ribeiros ou subir árvores permitem a aprendizagem e o autoconhecimento de forças e limitações a melhorar”, sustenta a especialista.
5 – Autodeterminação estimulada. O contexto das brincadeiras permite mais oportunidade para as crianças “guiarem as suas próprias ações, fazerem escolhas e terem consciência espacial e corporal”.
6 – Consciência ecológica apurada.“As crianças com tempo e oportunidade para brincar fora de paredes tendem também a evidenciar um maior apreço pela natureza e pelos animais, aspeto essencial numa sociedade que precisa de voltar a cuidar de forma determinada da sustentabilidade e da ecologia.”
7 – Mais experiência de amor.Brincar em espaços confinados ou através de plataformas virtuais “faz perder alguns dos mais essenciais fenómenos psicológicos”, nomeadamente o contacto ocular, o toque ou o rir em conjunto que são “essenciais até para a experiência de amor”, diz, citando a autora norte-americana Barbara Fredrickson.
8 – Capacidade de empatia desenvolvida. Brincar com outras crianças ajuda também no desenvolvimento moral através da perceção de modelos, aprendizagem de regras sociais e até promoção da empatia.
9 – Melhores perspetivas de futuro.Até as perspetivas de futuro revelam-se diferentes para melhor em crianças com brincadeira de exterior nas suas vidas.
10 – Mais competências linguísticas. A investigação tem vindo a mostrar que além de estarem em melhor forma física, as crianças que brincam no exterior têm também melhores competências linguísticas.